Na semana marcada pelo Dia Mundial da Água, celebrado no próximo dia 22, especialistas e gestores do sistema hídrico nacional indicaram que cortes no orçamento direcionado ao setor podem comprometer a gestão que assegura a distribuição e qualidade da água no Brasil. Em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente (CMA) nesta terça-feira (18), os participantes demonstraram preocupação com a falta de prioridade e investimento na área diante da crise climática.
Para a vice-presidente da comissão, senadora Leila Barros (PDT-DF), a agenda ambiental está no centro dos debates e das preocupações a nível global, já que os efeitos da crise climática têm sido registrados em todos os lugares, com consequências devastadoras para várias populações. A audiência, segundo a senadora, serve de alerta para que cada cidadão possa ter consciência da importância da água para a preservação de todas as vidas no planeta.
— Todo o setor produtivo, seja da cidade ou do campo, tem a responsabilidade de garantir que este bem ainda esteja disponível para as próximas gerações. Que o poder público fortaleça políticas e, principalmente, mecanismos de governança hídrica garantindo que a água seja um direito de todo o povo brasileiro. Que possamos cuidar das nossas nascentes, recuperar a vegetação das margens dos rios e que façamos o uso racional, não só da água, mas de todos os recursos naturais.
O debate na CMA foi requerido pelo presidente da comissão, senador Fabiano Contarato (PT-ES).
De acordo com a diretora-presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Veronica Sánchez, o orçamento da agência diminuiu 32% desde 2019. Ela enfatizou que há um "déficit gigante" para o tamanho das responsabilidades do órgão, principalmente após a criação do novo marco legal do saneamento básico ( Lei 9.984, de 2020 ).
— Estamos muito preocupados em como esses cortes orçamentários afetam a nossa capacidade operacional de manter a rede, de manter a qualidade dos serviços que são prestados, de atender à demanda e à necessidade da sociedade por melhores dados e sistemas mais ágeis.
No Brasil, o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH) é um dos instrumentos de gestão previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos. Ele é composto por conselhos, órgãos gestores e agências e comitê de bacias hidrográficas, com representações estaduais e municipais. Cabe à ANA a implantação e gestão desse sistema, além de garantir segurança hídrica para o desenvolvimento sustentável no Brasil e contribuir com a universalização do saneamento básico.
Ana Paula Fioreze, superintendente de Estudos Hídricos e Socioeconômicos da ANA e responsável pelo estudo de Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil de 2024, destacou que o cenário de incertezas demanda ainda mais inovação e dados de qualidade, coletados constantemente. O mais recente estudo realizado pela ANA, indica que todo o país vai sofrer redução da disponibilidade hídrica já em 2040, com redução de 40% da vazão dos rios e de precipitações.
— Não é uma solução mágica que vai resolver tudo. Não é só infraestrutura, não é só sistema de alerta, não são só ferramentas de gestão e de melhoria da governança, não são só regras de operação de reservatórios. É um pacote de diferentes soluções que demandam movimento lá de cima até a ponta.
O estudo também revela cenários de eventos climáticos extremos de todos os tipos: seca severa nas regiões Norte e Nordeste e chuvas intensas mais frequentes na região Sul. Para Fioreze, o momento exige do país uma "gestão adaptativa", com bom monitoramento, uma rede bem estruturada e, principalmente, a sensibilidade dos gestores locais para que a população seja cada vez melhor conscientizada sobre o uso e preservação da água.
— Temos que começar com monitoramento forte, eficiente e continuado. Temos que ter bons modelos climáticos, bons modelos hidrológicos, excelentes sistemas de alerta para que, quando esses desastres aconteçam de novo, eles não custem a vida de ninguém. Não podemos admitir 183 pessoas mortas em um evento de duas semanas no Rio Grande do Sul.
Hoje existem no país mais de 23 mil pontos de monitoramento hidrometeorológica. Além disso, a ANA emprega mais de 3 mil observadores hidrológicos que percorrem, coletivamente, quase 2 milhões de quilômetros por ano. O trabalho deles é medir a quantidade de chuva, o nível, a vazão e a qualidade dos rios, a segurança das barragens e a qualidade da água.
O superintendente de Gestão da Rede Hidrometeorológica da ANA, Marcelo Jorge Medeiros, avalia que o sistema de monitoramento e de análise de dados é ainda mais importante diante das grandes mudanças nas bacias hidrográficas, da crise climática e das peculiaridades de cada região do país. Para ele, é preciso automatizar ainda mais a rede e ampliar os investimentos.
— A mudança do clima alterou completamente as métricas. Já não temos a certeza que tínhamos quando íamos construir uma ponte. Precisamos de cada vez mais pontos de monitoramento no território. Isso envolve, no final, mais gente e mais recurso.
Segundo Medeiros, que também é diretor interino da agência, a ANA só consegue operar, atualmente, 60% das ações de monitoramento e gestão que são programados, em razão de contigenciamento orçamentário. Isso tem comprometido a supervisão e o controle de qualidade da água que chega nas casas dos cidadãos e nas atividades econômicas. Além disso, ele alertou para a necessidade de manutenção e substituição dos equipamentos.
João Ricardo Raiser, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba, registrou que até mesmo a inflação do preço dos alimentos está relacionada à falta de prioridade na gestão do sistema de segurança hídrica do país. Ele citou, como exemplo, a redução na safra de grãos por conta das secas no Sul do Brasil.
Ele defendeu, entre as ações prioritárias, o fortalecimento dos comitês de bacias e o apoio aos sistemas estaduais. Atualmente, o SNIRH possui 252 comitês de bacias hidrográficas, que atuam para garantir a segurança hídrica em todo território nacional.
— Escassez de água, poluição dos rios e má gestão desses recursos levam a conflitos, instabilidades sociais e impactos econômicos que afetam diretamente a segurança do país. Falhas na segurança hídrica e na capacidade de atuação desse sistema devem acender um alerta — observou.
O Dia Mundial da Água é comemorado anualmente em 22 de março. A data foi estabelecida em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92), realizada no Rio de Janeiro (RJ). Desde sua criação, a data se tornou um momento importante de reflexão e mobilização global sobre os desafios do acesso à água.
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